A comunicação visual começa antes da escrita. Depois, ao longo do ensino escolar obrigatório, a educação visual passa para segundo plano. A leitura na diagonal do texto escrito acaba por se sobrepor à leitura visual. Passamos a estar condicionados na capacidade de representar ou de interpretar visualmente.
Por José Manuel Ribeiro – CP nº 990
A democratização da fotografia, através da revolução digital, deixou-nos a todos a ver e a fazer gestos fotográficos pouco pensados. De stick com um smartphone ou de drone como crianças, vemo-nos em selfies ou olhamos o horizonte de outro modo. Inundamos e afogamo-nos em megabytes de RGB’s a perder no éter.
No frenesim do grande bazar visual em que vivemos – de revistas, jornais, redes sociais, etc. – raramente surge o tempo para olhar e raramente surge uma imagem com a força para nos fazer parar, sentir e reflectir. Muitas imagens publicadas são simples ilustrações que nada acrescentam.
Neste tsunami visual que nos arrasta, o bom jornalismo deveria saber navegar e ajudar os leitores a encontrar portos e faróis. Muitas vezes, a redundância entre fotografias e textos cumpre só com a função de deixar a grande mancha de caracteres ser mais ligeira e menos maçadora nos layouts. O decrescente espaço em papel condicionou a reportagem fotográfica na relação quase inversa em que o espaço virtual infinito da internet banalizou a publicação de fotos. As grandes revistas e jornais de outrora, com grandes espaços de fotografias, deram lugar a mais pequenos jornais e revistas com muitos “selos de correio”.
O decrescente investimento e rendimento dos meios de comunicação sacrificou o número de reportagens, de jornalistas, de páginas e de tiragens mas não a sofreguidão dos cidadãos de verem e saberem mais. A maioria dos cidadãos recebe as notícias e procura informação num smartphone (já nem é no pc) e não se vislumbra outra tendência dominante no futuro. Já ninguém abre um jornal de papel num transporte público e poucos o fazem num café. Milhares tiram do bolso o seu smartphone, consultam a meteorologia, escolhem um filme ou informam-se sobre assuntos do seu interesse nacionais, internacionais ou desportivos.
Muitos profissionais da fotografia de imprensa com saudosismos ou desalento vêem o fotojornalismo na geriatria ou nos cuidados intensivos. Está pálido, talvez anémico! Afinal, depois de tantas horas e dias em pé a olhar e pensar fotografias dá que pensar. O fotojornalismo tem de conquistar maior e melhor espaço nos novos meios, deixando de ser uma bengala de ilustração frequente e mecanicamente editada com pouca moderação e reflexão visual. Quantas mini fotos de uma entrevista valem uma boa e grande foto? Quantas fotos são usadas como filetes de paginação? Quantas assinaturas de foto são esquecidas ou escritas em caracteres de tamanho ilegível?
Basta só um boneco? Muitas vezes, sim. No entanto, a produção e publicação de mais reportagens fotográficas em formato galeria trará seguramente mais leitores interessados em ver e saber mais. Mas que essas as galerias não sejam meros contadores estatísticos.
A presença e pro-actividade de editores de fotografia não se sobrepõe à dos designers e outros editores e aportaria uma maior complementaridade do texto e da visão e um maior e melhor interesse dos leitores. Por outro lado, em órgãos mais pequenos não existindo essa categoria profissional, deveria existir a sensibilidade e a formação para essa função.
Existem vários tipos de escrita – poesia, literatura, publicidade, jornalismo… Mas, se para escrever não basta ter uma caneta, por que é que para fotografar bastaria ter uma máquina? Também existem diferentes tipos de fotografia – artística, publicitária, jornalística… Falta reconhecimento da especialização profissional do fotojornalismo que pressupõe conhecimentos de técnica, de arte, de comunicação visual, de recolha de informação e deontologia jornalística.
A mesma democratização tecnológica que no virar do século banalizou a fotografia abalou o fotojornalismo. Nessa tendência tecnológica a autossuficiência levou alguns meios de comunicação a contratarem “canivetes suíços” – jornalistas que seguravam um microfone, faziam fotos, tomavam notas, filmavam e escreviam – é o frequentemente designado backpack journalist. E essa tendência germinou em menos qualidade e menor profundidade para os leitores.
Ficámos, tal como os leitores, mais pobres.
Trabalhos de reportagem aguardam nas gavetas e só vêem a sua publicação depois de premiados em concursos. Freelancers são forçados a assumir exclusividade, sem vínculos formais ou financeiros. Fotojornalistas nacionais “emigram editorialmente”, publicando o seu trabalho em prestigiados órgãos internacionais. Tal como em outras áreas da sociedade também aqui encontramos uma geração mais bem preparada e pouco reconhecida.
A universalidade da linguagem visual do fotojornalismo não precisa de tradução, somente que a publiquem. Antes de ler, já víamos. O espaço para bom fotojornalismo está entre nós e hoje, é ainda maior. Urge capacidade e vontade para olhar o fotojornalismo nos novos suportes. Faltam bom senso e humildade para assumir e combater a iliteracia visual nas redacções.
Acredito que os cidadãos merecem melhor informação visual dos órgãos de comunicação social e do todos os jornalistas.
Nota: Artigo publicado no site do Sindicato dos Jornalistas de Portugal.